Caravaggio - "Davi com a cabeça de Golias" |
Um gigante monstruoso, de faces abomináveis, herói dos filisteus e maldoso em sua essência desumana.
Golias, o grande monstro de quase três metros, com faces grotescas e risada aterrorizante.
Morto, por uma pedrada simples e precisa, por quem estava praticamente desarmado, por alguém que julgava-se munido apenas de fé.
Não obstante seu escudo forte e sua lança afiada, Golias sucumbe, e sua cabeça é levada à Jerusalém.
Como compreender a intenção de Caravaggio, ao representar sua própria face na imagem de Golias, o monstruoso gigante?
A própria face, numa expressão perversamente barroca, distorcida e enfatizada pelo jogo de luz e sombra, chiaroscuro, hipnotizante, dramaticamente representada em uma expressão de perversidade e rendição. Ele, ele próprio, em um auto-retrato de seu próprio espírito. Expondo-se em sua mais clara e límpida representação.
Uma existência conflituosa, emaranhada em sentimentos confusos e intranscritíveis. Possivelmente, apenas representáveis em uma arte essencialmente desfigurante, conceitualmente torta, barroca. Uma arte encomendada para emoldurar as mais sacramentadas catedrais. Elaborada, no entanto, através de um realismo brutal e pouco celestial.
Caravaggio utilizava-se de rostos comuns, encontrados nas praças, nas ruas, nos prostíbulos, para representar seus anjos e madonas. Maria, mãe de Cristo, tinha a face de qualquer prostituta. Os anjos, de qualquer pequeno mendigo. E ele, ele próprio, a face de um monstro.
A complexa impureza do barroco, seu jogo de claro-escuro, sua deformidade e pretenso realismo. A representação mais clara de si mesmo, de seu espírito e sua essência, numa imagem assombrada de quem conseguiu finalmente definir-se.
Do seu próprio modo.
Do seu próprio modo.
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